Carta Rogatória no Brasil

Carta Rogatória é um instrumento jurídico internacional pelo qual um País requer o cumprimento de um ato judicial ao órgão jurisdicional de outro País, para que este coopere na prática de determinado ato processual.

Para que uma Carta Rogatória seja cumprida ela deverá atender às normas estabelecidas nas Convenções Internacionais e, em particular, nas regras definidas pela legislação nacional do país destinatário do cumprimento do ato requerido.

Classifica-se uma Carta Rogatória como ativa, quando for expedida por autoridade judiciária Brasileira para a realização de diligência em outro país ou passiva, quando oriunda de outro país para a realização de diligência no Brasil, possuindo natureza jurídica de um incidente processual, em razão de ter por objeto a realização de um ato processual específico oriundo de processo já iniciado no estrangeiro.

Nas palavras do (então) Ministro do STJ, Luiz Fux, em seu voto na Carta Rogatória Nº 438 – BE (2005/0015196-0), a Carta Rogatória

é um meio de cooperação judicial entre Nações, fundamentada no Direito Internacional, representando instrumento de intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais provenientes de outra Nação. Lastreia-se, outrossim, no princípio da reciprocidade, denominado pela doutrina de” Teoria da Cortesia Internacional “.

Para o Ilustre Pontes de Miranda “Carta Rogatória é o ato de solicitação do juiz de um Estado à justiça de outro, para que tenha efeitos no território estrangeiro algum ato seu, ou que algum ato se pratique, como parte da sequência de atos que é o processo. A citação, por exemplo, faz-se no Estado estrangeiro, mediante acolhida legislativa ou judicial do Estado estrangeiro; mas para figurar no processo como ato do juiz do Estado que rogou fosse feita”.

No Brasil, a competência para se conceder o exequatur (significando execute-secumpra-se) é do Superior Tribunal de Justiça, consoante o disposto no artigo 105 da Constituição Federal Brasileira. Já o artigo 109X, da Constituição Federal determina que compete ao juiz federal a execução de carta rogatória, após concessão de “exequatur” pelo STJ.

No tocante a sua regulamentação processual, a Carta Rogatória é regida pelo disposto no artigo 201 a 210 do Código de Processo Civil (lei 5879/73), artigos 368369 e 783 do Código de Processo Penal e, principalmente, pela Resolução nº. 09 do STJ, de 04 de maio de 2005.

Os artigos 3º e 4º da Resolução nº. 09/2005 do STJ, condicionam o cumprimento da Carta Precatória aos seguintes elementos:

1) Que haja um requerimento da parte interessada de homologação da sentença estrangeira;

2) Que seja acompanhada com uma petição inicial contendo as indicações constantes da lei processual, e acompanhada da certidão ou cópia autêntica do texto integral da sentença estrangeira e com outros documentos indispensáveis;

3) Que venha acompanhada por documentos devidamente traduzidos e autenticados.

Portanto, consoante ao disposto no artigo 4º da Resolução, a sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente.

No âmbito do direito criminal uma Carta Rogatória se presta a atos tais como:

a) Ordinários: cumprimento de citações, intimações, notificações (atos ordinários);

b) Instrutórios: realização de coleta de provas, perícias, oitiva de partes e testemunhas;

c) Executórios: cumprimento de sentenças, cautelares e medidas de caráter restritivo;

Cumpre destacar que as Cartas Rogatórias não se prestam a cumprimento de atos de constrição judicial civil (penhoras, execuções, acesso ao BACENJUD).

O procedimento de atendimento a uma Carta Rogatória se inicia após o seu recebimento, por via diplomática junto ao Ministério das Relações Exteriores. Em seguida, juntamente com a tradução em língua nacional por tradutor juramentado é encaminhada ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Este deverá ouvir o Procurador-Geral da República, que poderá impugnar o cumprimento do ato indicado na Carta Rogatória, se entender que lhe falta autenticidade, contraria a ordem pública ou a Soberania Nacional.

Assim, o Procurador-Geral da República analisa se a Carta Rogatória versar sobre ato processual com conteúdo decisório e caráter executório, o que é proibido pelo Brasil, com ressalva para o cumprimento de atos realizados sob convenção internacional que especificamente dispense ação de homologação da sentença estrangeira.

Também é analisado se ato não ofende a soberania nacional, como ocorre a exemplo de Carta Rogatória determinando penhora de um imóvel situado no Brasil (o que é vetado no artigo 89 do Código de Processo Civil) ou ainda a ordem pública (conflito entre Norma Estrangeira e Norma Brasileira)

Após este procedimento, a Carta é enviada ao Tribunal que irá efetivamente executá-la (exequatur).

Segundo a pesquisadora Nádia de Araújo, a execução de Cartas Rogatórias consta em nossa legislação desde meados do século XIX. Anteriormente ao Aviso Circular nº 1, de 1847, era comum que juízes as recebessem diretamente da parte interessada e as cumprissem sem qualquer formalidade.

A maior parte das Cartas Rogatórias era proveniente de Portugal, e seu cumprimento no Brasil se dava sem que o governo imperial tivesse qualquer ciência a respeito, inclusive as de caráter executório.

O Aviso Circular n.1 e regulamentos posteriores disciplinaram a matéria, permitindo seu recebimento por via diplomática ou consular, por apresentação do interessado, ou por remessa direta de juiz a juiz.

O surgimento do exequatur deu-se com a Lei n. 221, de 10 de novembro de 1894, que instituiu um procedimento prévio de admissibilidade, primeiramente da alçada do Poder Executivo, e, com o advento da Constituição de 1934, do Poder Judiciário, sendo competência do Supremo Tribunal Federal.

Proibiu-se, na Lei nº 221, a concessão de exequatur para medidas de caráter executório, que, entretanto foram mantidas pela jurisprudência do STF. Com a entrada em vigor da EC n. 45, a competência foi transferida para o Superior Tribunal de Justiça.

Por fim cabe indagar se uma pessoa, independente de sua nacionalidade pode ser citado no Brasil, por correio, para responder a ação judicial perante jurisdição estrangeira?

Um peculiar Acórdão recente da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, proferido na Sentença Estrangeira Contestada 4.891, relatada pelo eminente Ministro Gilson Dipp indeferiu o pedido de homologação de sentença italiana por razões outras, mas, entendeu que a ordem estrangeira de citação poderia ser efetivada no Brasil por correio, dispensando Carta Rogatória, desde que não se trate de questões de estado das pessoas.

Tal decisão foi posteriormente revista, prevalecendo outro entendimento proferido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da SEC 919, de relatoria do ministro Paulo Gallotti, em 19 de outubro de 2005, que “a citação das pessoas domiciliadas no Brasil que são demandadas perante a Justiça estrangeira deve se processar por meio de Carta Rogatória, em atenção às garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa“.

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